Verdades sobre os releases automotivos

"Por que você nos solicita este carro para avaliação? Já não basta o release que enviamos?"
Assessoria de imprensa para jornalista

"Eu queria o texto para publicação na internet, não o manual do proprietário!"
Jornalista sofredor para assessoria de imprensa

"Você não é jornalista, é só um blogueiro"
Assessoria de imprensa para jornalista

"Está todo o conteúdo aqui, mas você só pode publicar daqui a cinco dias"
Assessoria de imprensa sobre embargo no lançamento de um carro que nem recebeu mudanças

"É verdade que meu Veloster chega a 240 km/h! Eu vi na revista Veja"
Idiota sobre como ser ludibriado pela mídia

"Download da Foto0001.jpg - 29,7 MB"
Servidor das montadoras indicando a transferência de um leve arquivo

"Porra, essa foto foi tirada com o telescópio Hubble?"
Qualquer pessoa normal sobre fotos originais provindas de releases

Bilhete deixado na sala de imprensa da Nissan sobre a nova geração de um modelo
Releases automotivos são artimanhas das montadoras de promover seus carros da forma mais pomposa possível, por vezes sendo as únicas informações as quais os jornalistas especializados podem contar antes do carro chegar às mãos do público. Tem release de todos os tipos: alguns parecem bilhete escrito às pressas, outros são tão longos que, quando a matéria baseada nele fica pronta, já foi anunciado até o primeiro recall do modelo (indireta teleguiada para a Chevrolet). Extremamente fantasiosos em algumas situações, estes artigos são capazes de fazer estrumes como o Gol Special parecerem o carro ideal para o brasileiro (pobre).

Avô do James May escrevendo uma avaliação em 1925
Os releases (ou comunicados de imprensa, em bom português) são publicados pelas montadoras brasileiras desde 1900 e Glória Maria era aeromoça do 14-Bis o fim dos anos 1960, numa rasgação de seda que só lendo para crer. Conteúdos daquela épica época são coisas de colecionador, e existe até o Museu da Imprensa Automotiva para reunir documentos e mídias do tempo do disquete de 5 e 1/4 polegadas. Hoje, releases virtuais são divulgados quase que diariamente pelas marcas, inclusive sobre coisas que nada tem a ver com automóveis, como a construção de uma privada na fábrica de São Bernardo do Campo ou um bingo de asilo patrocinado pela montadora. Para "segurar" um carro novo para uma determinada data, as montadoras podem impor o embargo (proibição de se publicar notícias referentes ao modelo até o dia do lançamento oficial).

Tem uns sites por aí que merecem esse selo aí...
Transcrever o release de uma montadora só indica duas coisas: ou é um jornalista preguiçoso para caralho (que certamente não entende porra nenhuma de carros) ou está fazendo jabá da dita-cuja, pois a linguagem do texto é totalmente apelativa, o que não ajuda em nada quem quer uma opinião imparcial.


Existem montadoras que nem exigem cadastro para acesso das informações à imprensa, outras pedem CPF, RG, Título de Eleitor, senha do cartão de crédito, número do sapato, telefone da namorada e ainda bloqueiam sua sessão na sala de imprensa caso passe cerca de 30 minutos fora da página.

No que diz respeito às imagens, geralmente as fábricas são generosas e oferecem vários ângulos da novidade, mas há exceções, especialmente quando se trata de um carro que ainda será exposto em um Salão do Automóvel: publicam três fotos (às vezes só uma mesmo), que vai ser mais reproduzida nas mídias mundiais do que a foto do Che Quervara entre os "esquerdistas". Ferrari não nos deixa mentir.


E, claro, quando os jornalistas fazem perguntas sobre o fim de linha de determinado carro ou sobre o lançamento de um modelo aguardado, a esmagadora maioria das montadoras desconversa, alegando que não têm nada a ver com isso [Eduardo Jorge appears].


Se é tarefa árdua para os jornalistas acompanharem os releases de lançamento todo dia, imagine quando chega a época dos eventos de automóveis, especialmente o Salão de São Paulo, quando dez montadoras anunciam novidades numa mesma data. Não por acaso é comum a distribuição de pendrives por parte das marcas com tais conteúdos, um dos poucos gestos de bondade (claro, o conteúdo que estará lá será tão ou mais favorável aos seus interesses, especialmente se houver um vídeo-release, com um locutor anunciando tudo pomposamente).

Estratégias nos releases


Põem fotos com filtros, cenários deslumbrantes, iluminação especial, posições fotogênicas e photoshopam detalhes sem pudor, principalmente para causar efeito de velocidade: quando o consumidor vai olhar o carro na vida real, é capaz de se decepcionar, pois conseguem deixar até um estupro visual como o Etios Platinum ficar apresentável.

Vai me dizer que você já viu um Vectra GT desse jeito?
Entopem o carro de acessórios que nunca serão vendidos nas concessionárias, como kits aerodinâmicos produzidos no fundo de quintal, adesivos chamativos mais caros que o IPVA do carro, isso quando não fazem uma personalização que não será disponibilizada. Além disso, lançam mão de uma "cor-conceito", que, se já não tiver a produção restrita a algumas poucas unidades, será retirada do catálogo em mais ou menos um ano. Exemplos não faltam: Laranja do Vectra GT e do March, Verde do New Fiesta e do Etios, Magenta do New Fiesta Sedan, Vermelho Radiante do Gol G5, Amarelo Citrus do Uno, Marrom Bosta do HB20...

Aceleração de 0 a 100 km/h do Sonic: isso a Chevrolet não mostra!
Inventam resultados absurdos de desempenho, com condições de teste que passam longe da vida real. Geralmente nas provas de velocidade máxima o carro é testado descendo uma pirambeira com um motorista de 30 quilos, enquanto no teste de consumo injetam 1 litro de gasolina de ônibus espacial no tanque e fazem a prova a 45 km/h em 5ª marcha.


Mentem na capacidade do porta-malas, adotando um padrão diferente do usual. Outras declaram a capacidade contando a capacidade até o teto. Guiando-se pelos dados otimistas, o Chevrolet Chassic traz porta-malas de 425 litros, quando na verdade são 390 L (as duas capacidades, aliás, são divulgadas pela GM, vai entender...). A Mitsubishi declara que o TR4 (que saiu de linha, inclusive) tem 500 litros de capacidade declarados do piso do porta-malas até o teto, só que contando a área delimitada pelo bagagito (como todos os outros concorrentes fazem), sua capacidade é de meros 340 L.

Lançamento do Troller T4 2015, ao pé da letra
Inflam a lista de itens de série colocando equipamentos bastante relevantes (como vidros verdes, volante espumado, ar quente, piso revestido em carpete, bancos reclináveis manualmente), obrigatórios (que carro hoje em dia vem sem para-brisa laminado, freios ABS ou airbags frontais? Ops, o novo Troller T4 não tem as bolsas infláveis)... E quando há opcionais, praticamente nunca especificam o preço destes itens; o jornalista que se vire e apure os valores.


Promovem seus carros mais completos e anunciam pelo preço do básico. Sabe o novo Fox, aquele que ganhou lanternas de Brasilia? O preço anunciado é o da versão mais pé-de-chinelo - atualmente R$ 38.510 - mas pagando isso o carro vem até sem vidros elétricos, que dirá ar-condicionado, além do raquítico motor 1.0 de 76 cavalos. Já aquele Highline azulão que traz os itens que vão além das firulas visuais (motor 1.6 16v, sistema de som com tela sensível ao toque, teto solar, controles de estabilidade e tração) custa nada menos que sessenta e cinco mil, seiscentos e quarenta e três reais e zero centavos (já até aumentou para R$ 67.912 com o reajuste do IPI). O pior é que programas vendidos como o Auto Esporte dão a entender que um item como os faróis de neblina direcionáveis são itens que podem equipar desde a versão básica Trendline, quando na verdade é opcional até mesmo na completa Highline (que custa R$ 52.180) e vinculado a um "Módulo tecnológico" por mais R$ 2.012.


Alegam que todo carro tem tecnologia sobrenatural, como acelerador e motor de Fórmula 1 (donos de Palio com drive-by-wire e Ford Ka e Fiesta Endura já caíram nessas conversas, 15 anos atrás), ou chave com imobilizador da Lamborghini (que está presente até no Gol G5).


Quando mostram o close do quadro de instrumentos, ele sempre está totalmente iluminado e ganha movimento, mesmo que o carro esteja desligado.

E, claro, colocam uma gostosa para contracenar com o automóvel.

Termos estrangeiros que nenhum jornalista aguenta mais ver em releases


State of the Art - Expressão tão escrota que é até difícil de ser traduzida para o português, mas é um intensificador da ideia de modernidade (não, não estacionaram o carro numa galeria de arte).

One of a Kind - Denota que o carro é único em seu segmento, uma grande ironia em tempos onde as montadoras tentam ocupar as mais específicas categorias (depois que o "SUV-com-jeitão-de-cupê" BMW X6 foi lançado e o X4 foi apresentado, a Mercedes-Benz contra-atacou com o GLE Coupé, uma bizonhice sem igual).


Brand New/All New - Para as marcas, "novo" já não se encaixa com modelos que mudaram de geração: a expressão "completamente novo" já está até batida. No caso do Mitsubishi "All New" Outlander, pouco mais de um ano após sua chegada no Brasil foi apresentada sua reestilização no Japão. E já vai ser re-reestilizado em breve.......


Game Changer - O carro foi lançado para videogame? A expressão é usada para se tratar de um modelo que, a montadora espera, sacudir seu segmento ou mesmo criar uma categoria (foi utilizada para tratar do medonho Toyota FCV/Mirai, movido a hidrogênio), mas ainda assim é pretensiosa demais.

Striking (insira atributo) - Nada a ver com o jogo de boliche; quer dizer "impressionante". A tendência natural é que, quanto mais esta palavra seja usada no texto, mais a montadora implore por atenção ao seu carro.

Termos brasileiros igualmente batidos e odiados


Maior/Melhor (insira atributo) da categoria/do mundo - A expressão é tão velha e auto-proclamativa a ponto das próprias montadoras deixarem-na de lado, pois o que hoje é "o melhor" pode não ser mais no próximo ano. Além disso, o conceito de categorias automotivas já não é segmentado quanto no ano 2000, então não há muito do que se gabar (a não seu nome seja Carlos Alberto de Oliveira Andrade).


Líder de vendas há "X" anos - Se o melhor carro fosse o mais vendido, o Palio Fire seria o melhor do Brasil.

Vencedor no comparativo da revista [vitória comprada com Toddyinho e pão-de-queijo para os editores] - Hoje as revistas impressas têm credibilidade comparável a mídias como CartaCaPTal, com opiniões maquiavelicamente maquiadas ("este carro parece um pudim", "o extintor de incêndio não tem carpete", etc.).


Divisor de águas - O carro é dirigido pelo profeta Moisés? Opa, é melhor nos escondermos dos radicais islâmicos, vai que eles jogam um Marea explosivo na sede do Bizarrices Automotivas...

Verdades


Praticamente nenhuma montadora brasileira preza por seu passado, excluindo informações sobre modelos mais antigos e escondendo o destino de seus carros-conceito e modelos especiais. Fiat, Peugeot e Renault são as poucas exceções, guardando fotos de todos os modelos que já fabricaram e importaram para o Brasil. Na contramão, a Chevrolet exclui as fotos dos anos-modelo anteriores aos vigentes.

Uma das principais ramificações do release é o teaser, uma estratégia filha-da-puta para aguçar a curiosidade em torno de um novo carro. Estes teasers podem mostrar peças como farol ou roda, um sketch (desenho mais artístico e menos verossímil), uma silhueta ou até mesmo nada.

Se não é recomendado confiar em todas as informações contidas num release, imagine no dia 1º de Abril... as montadoras (as estrangeiras, pelo menos) pegam o espírito do Dia da Mentira e publicam "pegadinhas" sobre supostas inovações como detector de insetos ou limpador de logotipo traseiro.


As mídias mais compromissadas em desfazer as artimanhas dos releases são justamente os blogs e sites sem vínculos com os conglomerados de televisão/jornal/rádio, e que têm condições de avaliar um carro sem lamber o saco das montadoras.

Alguns releases chegam tão incompletos (contando inclusive com erros de digitação) que cabe ao jornalista buscar em seus arquivos os dados de potência e torque de determinado modelo. outros trazem tantos detalhes desnecessários que fica até inconveniente publicar.

No caso da Citroën, ou é oito ou 80: ou aparece o resumo de cinco linhas ou o release de 40 páginas das quais, após árduas leituras, se aproveitam duas.


Quando o carro abordado no release é elétrico ou híbrido, a montadora o trata como o salvador do mundo, o suprassumo automotivo. Mas nenhuma empresa até hoje se preocupou em divulgar o processo de descarte de baterias...

As montadoras quase sempre escolhem os mesmíssimos lugares para apresentar seus automóveis aos jornalistas, como Fazenda Capuava, MegaSpace, Anhembi, Costa do Sauípe...


Até os anos 1990, nem todas as montadoras dispunham de uma assessoria de imprensa: quem conheceu o Emme Lotus sabe que as pessoas ligadas ao seu projeto eram totalmente avessas à cobertura dos jornalistas - e os poucos proprietários acabaram arriscando a compra de um carro sem o aval das revistas e jornais especializados...

Quase nenhuma montadora (nem mesmo várias nacionais) divulgam o torque em nossa unidade padrão, quilogramas-força metro. Vem em newton-metro, em libra-força pé... o jornalista que se vire pra fazer a conversão desse dado. Além disso, muitas consideram horsepower e cavalo a mesma coisa, quando na verdade 1 hp = 1,0138 cv (o que, multiplicado por algumas centenas de cavalos, pode resultar em uma diferença significativa).

Quando você mais precisa do press release, ele não está lá, pois a assessoria de imprensa fechou o expediente mais cedo para curtir um happy-hour...

Por culpa de uns poucos jornalistas é que algumas montadoras só querem liberar a eles os releases...

Um comentário:

  1. Acho que no mesmo nível vem as assessorias de vendas. Aí você tem o "novo líder", aquele que vai "roubar vendas" de carros de categorias completamente diferentes. Segundos os gênios da Honda o HR-V vai roubar clientes de Golf e Corolla [??????] quando nem o Civic consegue isso...

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